segunda-feira, abril 19, 2010

Uma Homenagem Laranja ao Amor

Morre de dia para dia, apaga-se lenta e continuadamente num silêncio mudo e distante. De poucas falas tantas vezes, concentra-se nas leituras e num ofício que não o seu por formação ou por natureza, mas um inventado de números sem cor, estupidificantes.
Grita muito por ele, sem palavras, numa língua que só permite o desespero e a saudade. Chora até ficar vermelha a paixão do corpo que quer sentir. Que deseja. Está gelada. Pior que mármore. Tem as pernas roxas, enquanto observa os primeiros rios de água, de um banho de chuveiro quente, que lhe dançam nas formas.
A avarenta mulher mergulha a fundo na mesquinhez e mói-lhe a paciência como passatempo, arranjando defeitos onde não os há e varrendo as qualidades que a deixam cega. Ela ouve. Diz que sim e cala-se. A toda hora aquilo e ela começa a ficar farta. É por isso que ali ninguém pára.
Procura novas de uma ocupação desconhecida. Homem de mistérios. Deambula aflita pelos corredores azuis, de folhas na mão, fixa no que será ou deixará de ser. A curiosidade é um bicho tamanho. E ele não diz nada.
Sozinha, menina de silêncios, olhar submerso. Esforça-se por aguentar. E chora. Sem dizer uma palavra. Sem trocar uma ideia que seja. Fala, quando fala, da chuva. Da neve que não vem para Lisboa e do frio de hoje maior que o de ontem. Diz constipar-se facilmente e andar de cachecol em Maio, motivo de risada. Nada mais. Nada mais, sobre ela, sabem. Faz questão de guardar segredo de tudo e até dele que é a coisa mais preciosa que Deus lhe colocou na Vida. E que também lhe dá Vida. Como mais ninguém.
Enquanto ele não vem, o tempo pesa. Ela encolhe-se. Contorce-se de dor, olhando só desperta para o azulinho. Para o momento em que as suas luzes se acendem e surge a sua inicial. O coração dispara e os seus olhos vibram. Todo o corpo acorda. E ela ganha Vida. Brilho.
Nos tempos de ausência, traz consigo uma biblioteca de sonhos, fantasia e cultura em que procura amparo. Sem, contudo, satisfação. A saciedade não existe e ela alimenta-se de mais. Sempre mais. Precisa de atulhar a cabeça de sonhos e História. Fazendo disso uma Vida. A Vida proveta. Até que ele venha. E ela desperte.
Morre devagar, devagarinho. Observa o mundo podre e evita interferir porque ela não é daqui. O mundo dela não é este. E por isso viaja na fantasia e na cultura. Até que ele regresse e o possa acompanhar nessas descobertas pela cidade fora, por esse Mundo tão cheio de tanto para conhecer. E viver. Com ele.